quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Um estranho

Gostava de estar ali, deitada na suave e protectora erva, observando o jogo de sombras projectado pelas frágeis folhas de outono, deixando passar ainda alguns laivos do céu azul brilhante e um ou outro quente raio de sol, ouvindo as vozes murmuradas da floresta e os movimentos escondidos dos seus pequenos habitantes. Era, portanto, meu costume deitar-me naquela clareira que testemunhara tantas das brincadeiras e segredos íntimos de tantas e tantas gerações e esperar que anoitecesse. Naquele dia, porém, foi diferente.
Lá estava eu, no meu vestido branco e de cabelo apertado na nuca, sonhando acordada, quando as vozes se calaram e os movimentos cessaram. Sentei-me, procurando a causa de tal perturbação, e lá estava ele, meio sentado meio ajoelhado nas folhas caídas, um fantástico jogo de cores que lhe combinava com o curto cabelo. Vermelho escuro, castanho e alguns laivos de laranja, ou talvez fosse apenas o reflexo de um forasteiro raio de sol. As suas feições eram fortes e a tez pálida e uma pena de gaivota pousava, erecta, nos seus estranhos cabelos. Nas grandes mãos segurava um pequeno instrumento, uma espécie de flauta ou assobio, que levou aos lábios e produziu a música mais suave que algum dia ouvi. Capaz de fazer chorar ou de encher o coração de alegria, que embalava a mente, com a sua melodia, e renovava o corpo.
Quando terminou, aproximou-se de mim, soltou-me o cabelo e enrolou a sua pena num dos meus revoltos e escuros caracóis, de seguida, apontou para o pequeno lago para que eu visse a partida dos cisnes, com os longos pescoços e as asas brancas como a neve. Quando me virei de novo para olhar para ele, para estudar melhor a sua figura, desaparecera.
Se era Deus ou mortal, homem ou animal, não sei nem nunca descobrirei.
Assim, caminhei contente para casa, com uma pena de gaivota no cabelo e a música suave ainda dançando nos meus ouvidos.